quinta-feira, 19 de junho de 2008

Maria - por Maria de Lourdes

“Maria, Maria, é um dom, certa magia
Uma força que nos alerta...” Milton Nascimento cantou
e louvou Maria por essa magia, esse dom que acompanha as
pessoas que trazem a sina junto com o nome recebido na pia
batismal. Moacir Scliar tem uma pesquisa interessante
sobre nomes que condicionam a vida das pessoas. Eu, sendo
Maria, me sinto às vezes lisonjeada, às vezes não digna
de ser portadora deste nome.
Digo isto porque além de na nossa cultura, calcada em
paradigmas religiosos, a personagem Maria é o símbolo da
luta, da dor e conquista da liberdade dos laços que nos
unem ao mundo material, é a mãe que chora, sofre e exalta
o filho pregado na cruz. E os exemplos que se seguem de
”Marias” no mundo são inúmeros, recente temos a Lei Maria
da Penha, que proíbe a violência contra as mulheres. Não
que isso fosse permitido, mas foi necessário que uma Maria
ganhasse a batalha e o reconhecimento para que a Lei fosse
sancionada.
E nós, defensores e protetores de animais recebemos em
nossas vidas a presença de uma Maria. Sorridente, vivia em
condições paupérrimas, sem dentes – desnecessários -
porque havia pouco o que comer, sem conforto nenhum – a
geladeira não funcionava, o banheiro também não.

“ De uma gente que ri quando deve chorar...”, mas com a
pequena casa cheia de seres que a amavam. Não
respondiam ao nosso chamado nem quando extremamente
famintos, mas quando a Maria em seu linguajar único os
chamava pelo nome, todos atendiam. E, ao seu redor, comiam e recebiam afagos numa certeza de que eram amados, cena que nem o ser mais insensível deixaria de se comover se presenciasse.
A Maria não queria nada para si, ela tinha força -

“Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria, mistura a dor e a alegria”,

...aquele corpo franzino não sucumbiu até ter a certeza de que seus amados estavam bem. A marca trazida no corpo e a sina no nome, a fez forte, valente, e frágil. Sua fragilidade se
tornava visível quando a preocupação de que seus filhos
não ficariam bem sem ela a fazia desmoronar, e pedir
socorro, e chorar e suplicar para que não deixássemos que
sofressem, que encontrássemos quem os acolhesse e tivessem amor por eles.

“Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida”

A Maria nos deixou. E deixou conosco quatro dos seus
amores que ainda não tem o lar que ela desejou. Seriam
cinco se no mesmo dia em que ela se foi não tivesse levado
consigo um deles, o mais sensível, o que mais a compreendia
e o último que foi resgatado de seu antigo lar. Ele
esperava a volta da Maria dia após dia, de cabeça baixa,
não permitia que nos aproximássemos, até que se
entregou. Entregou-se literalmente e no mesmo dia em que a
Maria
partiu, ele também se foi.

A fé na vida, Maria, você nos deixou, a certeza de que
a marca na pele não é só pelo nome, mas, também por
esse amor incompreendido por nossos animais.
Essa é a nossa marca, “Marias”, o que não podemos deixar
de ter é fé na vida.

Dona Maria, ou Maricota tinha vinte e oito gatos que recolhemos. Ela faleceu na quarta-feira, 06 de junho, no mesmo dia em que o Pompom, um de seus gatos. Ainda falta encontrar lar para quatro dos gatos da Maria.


Maria, Maria – música de Milton Nascimento

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