sábado, 28 de junho de 2008

Mulata do bosque

No CAPA não havia lugar para ela. Era jovem, mestiça de pastor, bonita.

Escolheu uma rua no bosque para morar, bem em frente a uma mansão, era impossível chegar perto da cerca da casa, ela não permitia.

Acho que ela pensava que aquela era sua casa. Os rottweilers bem cuidados da propriedade, faziam um trabalho ainda melhor com a Mulata dando alerta.

Os dias foram passando, já estava lá por uns dois meses dormindo no mato e ela então foi enfraquecendo, fez cio, não deixava ninguém se aproximar.

A empregada de uma outra casa, compadecida, lhe jogava umas sobras, nem sempre tinha, pois os patrões não faziam comida em casa. As vezes ela trazia, o que repartia dos seus cães. Nos fins de semana ela não trabalhava, então a mulata não recebia nada.

Me pergunto, será que na mansão onde a mulata passava horas a cuidar, não sobrava nada, nem ao menos uma migalha, um restinho de ração dos rotts?

Eu e a Gisele, não aguentamos mais aquela situação. O inverno havia chegado, e a situação só piorava. Resolvemos tomar uma atitude, buscamos o amigo Cassiano para ajudar, nos munimos de coleira, corrente, corda, pano, comida.

Chegando lá avistamos um esqueleto ambulante, de seu nariz escorria muco esverdeado. Não aceitou a comida, mas correu, correu mais do que um galgo, correu mais do que suas forças poderiam suportar, e nós atrás dela, até que caiu de fraqueza!

Levamos até uma excelente clínica, foi feito teste para a detecção de cinomose, o que deu negativo.

Então resolvemos investir: Eu cuidava e a Gi bancava o tratamento, não foi fácil, muita medicação, alimento especial, suplemento vitamínico, antibióticos. Ela se negava a comer, então eu forçava com seringa, um vidro desses de pepino, todinho, 2 vezes por dia.

Sua doença mesmo, foi a indiferença de quem poderia ter feito algo, e a fome, além é claro da erlíquia e da babesia que adquirira naquele mato onde dormia pois foram retirados vários carrapatos aderidos na sua pele.

Recebeu soro na veia, cobertores, carinho e atenção, mas não conseguiu se recuperar.

Levamos ela novamente até a clínica, enquanto sangue era extraído de um cão doador, o coração dela não aguentou!

O veterinário fez tudo o que pôde para trazê-la de volta, mas ela preferiu partir.

Meu coração ficou aos pedaços, dói, a gente chora, mas se recupera, porque sabe que dalí a alguns dias vem outro com problemas, e precisamos ser fortes. Ficou a lembrança, somente as fotos, que eu pretendia fazer um antes/depois, eu a imaginava toda linda, correndo num campo de fazenda, mas infelizmente não deu. Só ficou a saudade da Mulata!


Lana

A cachorrinha das fotos é a Lana, ela é de porte pequeno, mestiça com linguicinha, e será castrada na próxima semana! Ela é jovem, ainda não fez o primeiro cio.

Havia sido adotada, mas como os novos donos agiram por impulso ( já tinham quatro cães em casa) o resultado não podia ser outro, foi devolvida após duas semanas de casa nova.

É um amor e precisa encontrar novos donos! Contatar: 8402 5726.















COMUNICADO

Esssa amadinha desde que foi devolvida começou a entristecer e simplesmente parou de comer... foi feito tudo que se podia, vermífugos, suplemento vitamínico, e no hospital veterinário chegou em choque!! Foi muito triste... e não souberam precisar a causa do óbito, ao que tudo indicava não era nada virótico ou infeccioso!! Parece que ela desistiu de viver pois nunca mais foi alegre depois que a dona a rejeitou!! Agradecimentos sinceros à Dra. Heloisa, pelo carinho e atenção, e também a sua equipe em especial a estagiária Bianca que atenderam a Lana.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Gatinhos Abandonados - por Maria de Lourdes

Data: Quarta-feira, 27 de Junho de 2007, 11:08

GATINHOS ABANDONADOS

Todas as mulheres têm histórias pessoais, cheias de sonho, esperanças, segredos, lágrimas. Histórias incrustadas na alma que se refletem nos olhos.

Que sonhos estariam escondidos por trás daquele olhar azul cristalino? Que esperanças estariam mergulhadas naquele oceano? Segredos? Não aparentavam ter. Ou talvez tivesse e também estariam escondidos naquele lago azul. Desde a primeira vez que a vi, seu olhar me comoveu. Seu sorriso completava o semblante simpático e bondoso. Seu tamanho pequeno era acobertado por aquele sorriso enorme. Seu coração batia com o auxilio de um marca-passos, mas o amor que o preenchia extravasava em seu rosto.

Talvez tenha sido por isso que seu coração precisou de ajuda. Amor demais. Ela amava aqueles gatos (amava também os netos). Amava de uma forma tão intensa que numa época em que vários deles estavam doentes me confessou chorando que a dor que sentia era tão grande em vê-los sofrer que chegara a pensar em comprar veneno e tomar junto com eles.
Alguém pode imaginar isso? Sentir-se impotente diante do sofrimento de tal forma que para acabar com ele é capaz de atitude tão extrema?

Assim era a dona Waleska. Tinha um amor profundo por seus gatos, e por todos aqueles que eram abandonados em seu portão. Muitos deles abandonados por pessoas que jamais voltavam para saber sequer se precisavam de alguma ajuda. E ela, cheia de carinho, os fitava com um olhar profundamente dócil e amoroso, os acolhia, afagava e tornavam-se da família. Havia também aqueles abandonados perto do Grenal que ela vinha alimentar. E parte de sua aposentadoria era gasta com fígado, porque segundo ela - eles gostam tanto de uma comidinha! - mesmo com recomendações de não fazê-lo, ela insistia porque eles comiam melhor.

Antes de conhecê-la pessoalmente, o que ouvia a seu respeito era: gatinho? Leva na aleska. Assim mesmo, minúsculo. A imagem que eu fazia era a de uma mulher jovem, saudável, com recursos financeiros para sustentar tantos quantos lhe fossem enviados. Qual não foi minha surpresa quando um dia chegou para mim pedindo ajuda, aquela senhora pequenina, de olhar profundamente azul e sorriso simpático. Claro que era uma fortaleza, como diz sua filha - por mais que me esforce nunca vou conseguir ter a força e disposição que ela tinha - mas tão frágil, de coração tão fraco.

Eu gostaria de poder negociar com Deus. Não sei se teria essa chance, mas caso a tivesse pediria a ele que não levasse tão cedo as pessoas como a dona Waleska. Não
sei o que poderia oferecer em troca, mas apelaria, usaria de todos os argumentos para convencê-lo de que nossos animais precisam que pessoas como ela não nos deixe tão
cedo.

Em um mês duas pessoas que nos procuraram pedindo ajuda com seus gatos nos abandonaram. É o prenúncio da morte que fazem com que peçam socorro? É o medo de não ter quem olhe por seus animais que os trazem até nós?

Não tenho respostas, creio que jamais as terei. Mas tenho uma certeza - a de que nosso amor e respeito pelos animais nos dão a oportunidade de termos em nossas vidas pessoas como a Waleska, a Maria. Essas pequenas e frágeis criaturas que nos deixam na memória a imagem de mulheres que dedicaram a vida para proteger e amar os animais, mulheres que não pediram ajuda em nenhum momento, a não ser naquele em que a tênue linha que separa a vida da morte estava para romper.

Obrigada Waleska, obrigada Maria, por termos tido o privilégio de convivermos com pessoas com tanto amor pelos animais. Que suas vidas fiquem nas nossas memórias,
que nossas esperanças sejam renovadas em todos os momentos em que nos sentirmos fracas, pelo exemplo que vocês nos deixaram.

Gatinhos Abandonados? Não procurem mais a Waleska.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Dona Maricota e seus amores.

Todos lembram do caso da Dna. Maricota !?

Teve matéria elogiada na TV e nos jornais. Senhora idosa, 84 anos, morava sozinha e tinha em sua pequena casinha mais de 20 gatos.

O CAPA não tinha condições de acolher seus gatinhos, então o Amigo Bicho assumiu o compromisso de castrar e doar seus bichinhos.

Visitas semanais, ração, antipulgas, vermífugos, demais medicações, e aos poucos fomos castrando e doando os amores da vida dela. Meiga e sorridente, sempre nos acolhia com um abraço, chorava cada vez que um ia embora, e nos abraçava mais uma vez!!

Certo dia ela caiu, quebrou uma perna, ficou semanas internada, e no hospital entristeceu, sentia muita falta dos seus mimosos, até que um dia a triste notícia chegou... ela faleceu. Foi tranquila, pois sabia que amparamos todos eles enquanto ela estava internada, e sua família permitiu que alguns permanecessem lá até serem doados... e finalmente doamos todos!

...E nos despedimos da doce Maricota com um texto da Lourdes, que faz todos entenderem essa emoção e que está publicado logo abaixo, e da Diane, que testemunhou toda a energia que havia naquele pequeno lugar.








Adeus Maricota - por Diane

Data: Quarta-feira, 20 de Junho de 2007, 08:21h.

Hoje é um dia muito triste para mim, então resolvi escrever o que estou sentindo, não tenho dom para escrever como a Lourdes, Nem cantar como meu amigo Luis André ou como sensibilizar com as imagens como faz a Roberta, podem achar até piegas, mas eu precisava desabafar. E se alguém achar que ela merece algo melhor, esteja a vontade, encontrei meu jeito. Dona Maricota é o retrato do nosso povo: humilde, sobrevivia com a aposentadoria, pagava aluguel, dependia de outras pessoas para muitas coisas, inclusive do SUS. E o pior: amava animais e tinha vários!

Como é a vida de uma pessoa que além de pobre ama animais? Com certeza é pior, eu vejo quase todo dia no meu portão, Prdi as contas de quantos vem me pedir socorro para seus animais. Ela não pedia nada para ela, só para eles.

Eu a conheci no portão do CAPA implorando ajuda para que a entidade ou alguém ficasse com eles, quem sabe prevendo o que iria acontecer nesse último feriado: ela deu seu último suspiro. Dois dias antes seu gato preferido, o Pompom, começou a ficar muito mal, nem deu tempo de socorrê-lo, assim como ela... se foi!

Talvez para lhe fazer companhia, pois em vida ela optou pela companhia dos felinos e em todos os dias em que passou acamada perguntou por eles.Demorei para comover corações com seu drama, eu sozinha não poderia fazer nada. Finalmente deu-se inicio a uma campanha para "livrar" a Maricota dos gatos, duas vezes por semana eu ia até sua humilde casa, onde era recebida sempre com um abraço apertado e olhinhos cheios de lágrimas. Certa vez lhe levei um xale, mandado por minha mãe, ela se enrolou feliz, e mais que depressa agarrou um mimi para se aquecer com ela.

Ela sofreu um acidente, caiu dentro de um ônibus (nunca mais se recuperou), ela adorava passear! ela foi para o hospital e os gatos todos sozinhos, eram alimentados por mim, eles miavam desesperados em volta da casa, mas não de fome, de saudade! Alimentei, mediquei, amparei mãezinhas, sempre com apoio da turma (Raquel, Bete, Cris, Lourdes, Elisa, Rosa, Daniela).

Aos poucos levamos todos embora, ela nem pode se despedir. Eu me culpo e me arrependo muito por não ter ido vê-la, maldita correria de todos os dias! O presente que lhe comprei de dia das mães, não levei! As fotos dos bichanos, não levei! Então Maricota leva contigo meu carinho e admiração, você teve fé e confiança, e muitos apareceram na tua porta e socorrem quem você mais amava, leva contigo a certeza de que estão todos bem, e amados como você amou. E era isso que eu queria ter dito a ela, eis minha oração.

Obrigada ao pessoal da RBS TV, em especial a Roberta, ao jornal O Nacional, a Rosa do CAPA, ao grupo Amigo Bicho, que alimentou, hospedou e castrou os animais. Peço a todos que reflitam nesse momento, pensem em quantas "Maricotas" tem por aí, quem ficará com seus animais quando partirem? Um centro de zoonoses, um biotério, ou um albergue de verdade? onde nós protetores poderemos ser voluntários e não escravos). Acho que está na hora de nos unirmos com o firme próposito de pressionar o poder público, para que hajam mudanças nas políticas
públicas ( projetos de castração em massa por exemplo) devemos trabalhar pelo fortalecimento de entidades de proteção, o sentimento que nos move é o mesmo, podemos sim, direcioná-lo de maneira eficaz. Pensem!

Um grande abraço a todos!!

Diane.

Maria - por Maria de Lourdes

“Maria, Maria, é um dom, certa magia
Uma força que nos alerta...” Milton Nascimento cantou
e louvou Maria por essa magia, esse dom que acompanha as
pessoas que trazem a sina junto com o nome recebido na pia
batismal. Moacir Scliar tem uma pesquisa interessante
sobre nomes que condicionam a vida das pessoas. Eu, sendo
Maria, me sinto às vezes lisonjeada, às vezes não digna
de ser portadora deste nome.
Digo isto porque além de na nossa cultura, calcada em
paradigmas religiosos, a personagem Maria é o símbolo da
luta, da dor e conquista da liberdade dos laços que nos
unem ao mundo material, é a mãe que chora, sofre e exalta
o filho pregado na cruz. E os exemplos que se seguem de
”Marias” no mundo são inúmeros, recente temos a Lei Maria
da Penha, que proíbe a violência contra as mulheres. Não
que isso fosse permitido, mas foi necessário que uma Maria
ganhasse a batalha e o reconhecimento para que a Lei fosse
sancionada.
E nós, defensores e protetores de animais recebemos em
nossas vidas a presença de uma Maria. Sorridente, vivia em
condições paupérrimas, sem dentes – desnecessários -
porque havia pouco o que comer, sem conforto nenhum – a
geladeira não funcionava, o banheiro também não.

“ De uma gente que ri quando deve chorar...”, mas com a
pequena casa cheia de seres que a amavam. Não
respondiam ao nosso chamado nem quando extremamente
famintos, mas quando a Maria em seu linguajar único os
chamava pelo nome, todos atendiam. E, ao seu redor, comiam e recebiam afagos numa certeza de que eram amados, cena que nem o ser mais insensível deixaria de se comover se presenciasse.
A Maria não queria nada para si, ela tinha força -

“Mas é preciso ter força, é preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria, mistura a dor e a alegria”,

...aquele corpo franzino não sucumbiu até ter a certeza de que seus amados estavam bem. A marca trazida no corpo e a sina no nome, a fez forte, valente, e frágil. Sua fragilidade se
tornava visível quando a preocupação de que seus filhos
não ficariam bem sem ela a fazia desmoronar, e pedir
socorro, e chorar e suplicar para que não deixássemos que
sofressem, que encontrássemos quem os acolhesse e tivessem amor por eles.

“Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania de ter fé na vida”

A Maria nos deixou. E deixou conosco quatro dos seus
amores que ainda não tem o lar que ela desejou. Seriam
cinco se no mesmo dia em que ela se foi não tivesse levado
consigo um deles, o mais sensível, o que mais a compreendia
e o último que foi resgatado de seu antigo lar. Ele
esperava a volta da Maria dia após dia, de cabeça baixa,
não permitia que nos aproximássemos, até que se
entregou. Entregou-se literalmente e no mesmo dia em que a
Maria
partiu, ele também se foi.

A fé na vida, Maria, você nos deixou, a certeza de que
a marca na pele não é só pelo nome, mas, também por
esse amor incompreendido por nossos animais.
Essa é a nossa marca, “Marias”, o que não podemos deixar
de ter é fé na vida.

Dona Maria, ou Maricota tinha vinte e oito gatos que recolhemos. Ela faleceu na quarta-feira, 06 de junho, no mesmo dia em que o Pompom, um de seus gatos. Ainda falta encontrar lar para quatro dos gatos da Maria.


Maria, Maria – música de Milton Nascimento